Poesía de Angola: João Melo

Leemos 5 poemas de la antología Minha poesia é angolana ferozmente de João Melo, fundador de la União dos Escritores Angolanos. Los poemas fueron traducidos por la escritora mexicana Federica Ortiz, uno de ellos por la poeta colombiana Lauren Mendinueta.

 

 

 

 

 

 

 

Arte poética 72

 

A minha poesia é angolana ferozmente

 

Escrevo com medo e com raiva

e força e ritmo e alegria

 

Escrevo com fogo e com terra

 

Escrevo sempre como se comesse

funje com as mãos

 

sobretudo quando utilizo

garfo e faca

 

 

 

 

 

 

Arte poética 72

 

Mi poesía es angolana ferozmente​​ 

 

Escribo con miedo y con rabia

y fuerza y ritmo y alegría

 

Escribo con fuego y con tierra

 

Escribo siempre como si comiera

funge1​​ con las manos

 

sobretodo cuando utilizo

cuchillo y tenedor

 

 

 

 

 

 

Estes homens

 

1

 

Estes homens têm lodo nas axilas:

é dos bafientos e

soturnos porões

Têm sulcos vivos

nos dorsos belos:

é do longo

chicote implacável

 

 

 

2

 

Povoam os bairros escuros

Estes homens

surdamente esforçam-se

por esmagar as pernas

contra a rica cintura de asfalto

que ali os fecha

É em vão. E eles

morrem tristes, como os cães cabíris

 

 

 

3

 

Os batuques e a festa:

estes homens

choram os séculos

como se cantassem

 

 

 

4

 

Aos sábados, estes homens

bebem o álcool profundo

e resgatador

Caem. Como

estátuas hirtas

se levantam, com

a firmeza imaginada

 

 

 

5

 

Estes homens suicidam-se ao crepúsculo

contra os automóveis

de aço brilhante

na Avenida Brasil

 

 

 

6

 

Esperam pela polícia

com o coração frio

e os olhos lisos. Há

séculos

dominam

​​ essa surda ciência,

inevitável e terrível:

resistência  ​​​​ 

 

 

 

 

 

 

 

Estos hombres

 

1

 

Estos hombres tienen lodo en las axilas:

es por las rancias​​ 

y lúgubres bodegas

Tienen surcos vivos

en los bellos dorsos:

es del largo

e implacable chicote

 

 

 

2.

 

Pueblan los barrios oscuros

Estos hombres

sordamente se enfuerzan

en golpear las piernas

contra la rica cintura del asfalto

que ahí los encierra

Es en vano. Y ellos

mueren tristes, como perros callejeros

 

 

 

 

3.

 

Los repiques y la fiesta:

estos hombres

lloran los siglos

como si cantaran

 

 

 

 

4

 

Los sábados, estos hombres

beben el alcohol profundo

y salvador

Caen. Como

rígidas estatuas

se levantan, con la

firmeza imaginada

 

 

 

 

5

 

Estos hombres se suicidan al

crepúsculo

contra automóviles

de brillante acero

en la Avenida de Brasil

 

 

 

 

6

 

Esperan a la policía

con el corazón frío

y los ojos lisos. Hace

siglos

que dominan​​ 

esa sorda ciencia,

inevitable y terrible:

la resistencia.

 

 

 

 

 

 

 

Ensaio sobre a multidão

 

A Rainha Nhakatolo esfregou as mãos na pedra

e dela brotou uma sombra iluminada

o soldado pisou a mina e soltou uma canção

um porco luzidio como o alumínio

piscou os olhos para a minha amante

no mar as cabuenhas2​​ fizeram greve

e a multidão aplaudiu embevecida

 

 

 

 

 

 

Ensayo sobre la multitud

 

La reina Nhakatolo restregó las manos en la piedra

y de ahí brotó una sombra iluminada

el soldado pisó la mina y soltó una canción

un puerco luminoso como aluminio

le cerró el ojo a mi amante

en el mar hicieron huelga los alevines

y la multitud aplaudió embravecida

 

 

 

 

 

 

TIREM O JOELHO DO NOSSO PESCOÇO

 

 

Tirem o joelho do nosso pescoço

 

Levámos milénios a aqui chegar,

desde que nos erguemos,

um dia qualquer,

numa remota floresta do sudeste de África

e decidimos povoar toda a Terra

 

Tirem o joelho do nosso pescoço

 

     Construímos as primeiras civilizações,

     inventámos a escrita,

     a burocracia,

     a medicina, a matemática,

     a arquitetura, a construção,

     a irrigação,

     a investigação científica

 

Tirem o joelho do nosso pescoço

 

     Acolhemos com o calor dos nossos corações

     os que chegaram cheios de escorbuto e de feridas,

     dividimos com eles

as nossas fogueiras,

     absorvemos as suas línguas e as suas crenças,

     fizemos de alguns deles, os que o quiseram,

     nossos filhos bem amados

 

Tirem o joelho do nosso pescoço

 

     Fomos traídos, capturados,

     forçados a atravessar o mar sem fim

     em sujos e bafientos porões,

     a partilhar cultos

     e inventar novas línguas,

     para sobreviver à medonha travessia

     até ao perfeito desconhecido

 

Tirem o joelho do nosso pescoço

 

     Resistimos, mas não só:

     ensinámos aos nossos pretensos senhores

     como fazer florescer

na terra úbere

novos e espantosos frutos,

como extrair das suas escuras profundezas

o brilho do ouro e dos diamantes e

com eles partilhámos

sem egoísmo

a nossa técnica milenar

de forjar o ferro e o cobre

 

Tirem o joelho do nosso pescoço

 

     Libertámo-nos das grilhetas

     que julgavam eternas,

     espalhámos pelos quatro cantos da Terra

     a nossa música, as nossas danças,

     mostrando que os corpos dos homens

     e das mulheres

     são muito mais do que simples caixas de ossos

     e vísceras

 

Tirem o joelho do nosso pescoço

 

     Levámos o eterno anseio de liberdade

     a todos os corações,

     lutámos em todos os lugares

     onde era preciso lutar,

     unimo-nos a todos aqueles

     que sabiam que a liberdade

     não se conquista sem luta

 

Tirem o joelho do nosso pescoço

 

     Resta-nos concluir

     a última jornada,

     fazer

a derradeira travessia,

     derrubar o obstáculo final:

     destruir uma a uma

     todas as estruturas com que julgais,

     ilusoriamente,

     apagar-nos da história da humanidade

     que nós próprios criámos

 

- Tirem o joelho do nosso pescoço!

 

 

 

 

 

Quitad la rodilla de mi cuello

 

Quitad la rodilla de mi cuello

Nos tomó milenios llegar hasta aquí

desde que nos levantamos

un día cualquiera,

en un bosque remoto del sureste de África,

y decidimos poblar la Tierra entera

 

Quitad la rodilla de mi cuello

Construímos las primeras civilizaciones,

inventamos la escritura,

la burocracia,

la medicina, la construcción,

los riegos

y la investigación científica

 

Quitad la rodilla de mi cuello

 

Acogimos en el calor de nuestros corazones

a quienes llegaron llenos de escorbuto y de heridas,

compartimos con ellos

nuestras hogueras,

absorbimos sus lenguas y sus creencias,

hicimos de algunos de ellos, los que quisieron,

nuestros amados hijos

 

Quitad la rodilla de mi cuello

 

Fuimos traicionados, capturados,

forzados a cruzar el mar sin fin

en bodegas mohosas y sucias,

para compartir cultos

e inventar nuevas lenguas,

para sobrevivir a la terrible travesía

hasta lo perfecto desconocido

 

Quitad la rodilla de mi cuello

 

Resistimos, pero no solamente,

enseñamos a nuestros pretendidos señores

cómo hacer florecer

en la tierra fértil

nuevos y sorprendentes frutos,

cómo extraer de sus oscuras profundidades

el brillo del oro y los diamantes y

con ellos compartimos​​ 

sin egoísmo

nuestra técnica milenaria

para forjar el hierro y el cobre

 

 

Quitad la rodilla de mi cuello

 

Nos liberamos de los grilletes

que ellos creían eternos,

vertimos por las cuatro esquinas de la Tierra

nuestra música, nuestras danzas,

mostrando que los cuerpos de hombres

y mujeres

son mucho más que simples cajas de huesos

y vísceras

 

Quitad la rodilla de mi cuello

 

Nosotros llevamos el eterno anhelo de libertad

a todos los corazones,

luchamos en todos los lugares

donde fue necesario luchar,​​ 

nos unimos a todos aquellos

que sabían que la libertad

no se conquista sin lucha

 

Quitad la rodilla de mi cuello

 

Nos resta concluir​​ 

la última jornada,

realizar​​ 

la última travesía,

derribar el obstáculo final:

destruir una a una

todas las formas con las que han juzgado,

ilusoriamente,

no nos podrán borrar de la historia humana,​​ 

esa que nosotros mismo hemos creado.

 

Quitad la rodilla de mi cuello

 

 

[Traducción de Lauren Mendinueta]

 

 

 

 

 

 

 

O amor, os pássaros

 

O amor é

esta lentíssima combustão

de pássaros

nas extremidades

da boca dos dedos

ténues sobre os corpos

 

O amor é

este gargarejo feroz

de pássaros

soltando-se abruptos

dos húmidos poros

pela tesão violentados

 

O amor é

este silêncio vagaroso

entre ​​ 

o meu e teu corpo

depois

do voo dos pássaros

 

 

 

 

 

 

El amor, los pájaros

 

 

El amor es

esta lentísima combustión

de pájaros

en las extremidades

de la boca de los dedos

tenues sobre los cuerpos

 

El amor es

este gorgoteo feroz

de pájaros

soltándose, abruptos,

de los húmedos poros

por la lujuria conminados

 

El amor es

este pausado silencio

entre mi cuerpo y el tuyo

después

del vuelo de los pájaros

 

 

 

 

 

1

​​ Plato ​​ tradicional angolono ​​ hecho de harina de yuca en caldo.

2

​​ Término angolano para designar las crías de los peces.

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