Poesía Portuguesa: Nuno Júdice

Presentamos, en una magnífica versión de Marco Antonio Campos, una generosa selección de textos del mayor poeta portugués de nuestro tiempo, Nuno Júdice (1949). También escribe y enseña literatura en la Universidad de Lisboa. Fue director de la revista Tabaccaria de la Casa Fernando Pessoa. En 2013 recibió el Premio Reina Sofía. Estas versiones fueron revisadas por el poeta Rodolfo Mata, especialista en poesía en lengua portuguesa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LA PIEDRA DEL POEMA

Traducción: Marco Antonio Campos

Revisión: Rodolfo Mata y el autor

 

 

 

 

SOLIDÃO

 

Um mar rodeia o mundo de quem está só. É

o mar sem ondas do fim do mundo. A sua água

é negra; o seu horizonte não existe. Desenho

os contornos desse mar com um lápis de

névoa. Apago, sobre a sua superfície, todos

os pássaros. Vejo-os abrigarem-se da borracha

nas grutas do litoral: as aves assustadas da

solidão. «É um mundo impenetrável», diz

quem está só. Senta-se na margem, olhando

o seu caso. Nada mais existe para além dele, até

esse branco amanhecer que o obriga a lembrar-se

que está vivo. Então, espera que a maré suba,

nesse mar sem marés, para tomar uma decisão.

 

 

 

 

SOLEDAD

 

Un mar rodea el mundo de quien está solo. Es el mar

sin olas del fin del mundo. Su agua

es negra; su horizonte no existe. Dibujo

los contornos de este mar con un lápiz

de niebla. Borro, sobre su superficie, todos

los pájaros. Los veo abrigarse de la goma

en las grutas del litoral: las aves asustadas por la

soledad. “Es un mundo impenetrable”, dice

quien está solo, se sienta en la orilla, y piensa

su caso. Nada existe más allá de él, aun

ese blanco amanecer que lo obliga a recordar

que está vivo. Espera entonces que la marea suba,

en ese mar sin mareas, para tomar una decisión.

 

 

 

 

 

 

 

 

A VARANDA DE JULIETA

 

Uma vez, entrei em verona para não entrar

em veneza. Entre o vê de verona e o vê

de veneza optei por ver verona. Gostei da

coincidência das consoantes na janela

de julieta; e sei que em veneza não ouviria

o vento da vingança, nem provaria o veneno

de uma volúpia que só em verona se

desvanece com a vida. Não há canais em

verona, como em veneza; nem há janelas

em veneza, como em verona; mas julieta

espreita a rua, da janela que é sua, e se

ninguém diz a senha que só ela sabe, agita

o lenço molhado pelas lágrimas que as

nuvens bebem, levando-as de verona até

veneza, onde a chuva as deita nos canais.

 

 

 

 

 

 

 

LA VERANDA DE JULIETA

 

Una vez entré en verona para no entrar

a venecia. Entre la vé de verona y la vé

de venecia, me decidí por ververona. Me gustó

la coincidencia de las consonantes en la ventana

de julieta ; y sé que en venecia no oiría

el viento de la venganza, ni probaría el veneno

de una voluptuosidad que en verona se

desvanece con la vida. No hay canales en

verona como en venecia; ni hay ventanas

en venecia como en verona; pero julieta

avizora la calle, desde la ventana que es suya, y

si nadie hace la seña, que sólo ella sabe, agita

el pañuelo mojado por las lágrimas que las

nubes beben, elevándolas desde verona hasta

venecia, donde la lluvia las lanza a los canales.

 

 

 

 

 

 

 

 

PRINCÍPIOS

 

Podíamos saber um pouco mais

da morte. Mas não seria isso que nos faria

ter vontade de morrer mais

 

Podíamos saber um pouco mais

da vida. Talvez não precisássemos de viver

tanto, quando só o que é preciso é saber

que temos de viver.

 

Podíamos saber um pouco mais

do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar

de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou

amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada

sabemos do amor.

 

 

 

 

 

 

 

PRINCIPIOS

 

Se podía saber un poco más

de la muerte. Pero no sería eso lo que nos haría

tener las ganas de morir más

 

Podríamos saber un poco más

de la vida. Tal vez no necesitáramos vivir

tanto, cuando sólo es necesario saber

que debemos vivir.

 

Podríamos saber un poco más

del amor. Pero no sería eso lo que nos haría dejar

de amar al saber exactamente lo que es el amor, o

amar más aún al descubrir que, aun así, nada

sabemos del amor.

 

 

 

 

 

 

 

O LUGAR DAS COISAS

 

Gosto das palavras exactas, as que acertam

com o centro das coisas, e quando as encontro

é como se as coisas saíssem de dentro delas.

 

Essas palavras são duras como os objectos

que designam, pedra, tronco, ferro, o vidro

de espelhos quebrados com o calor da tarde.

 

Tento incendiá-las quando escrevo, como se

o fogo saísse de dentro da frase, e se espalhasse

pelo campo da página numa devastação de sílabas.

 

Então, atiro sobre as palavras outras palavras,

água, pó, terra, o ar seco do verão, para que a voz

não fique queimada nesta paisagem negra.

 

Recolho os restos, os adjectivos, os advérbios,

artigos, preposições, para que só as palavras que indicam

as coisas fiquem no lugar que já tinham.

 

Pouco importa que as frases percam o sentido. O

que fica são os nomes das coisas, para que as coisas saiam

de dentro dele e as possamos ver nos seus lugares.

 

 

 

 

 

 

 

EL LUGAR DE LAS COSAS

 

Me gustan las palabras exactas, las que dan

con el centro de las cosas, y cuando las encuentro

es como si las cosas salieran desde dentro de ellas.

 

Esas palabras son duras como los objetos

que designan: piedra, tronco, hierro, el vidrio

de espejos quebrados como el calor de la tarde.

 

Busco incendiarlas cuando escribo, como si

el fuego saliera del interior de la frase, y se esparciera

por el campo de la página en una devastación de sílabas.

 

Entonces, arrojo a las palabras otras palabras,

agua, polvo, tierra, el aire seco del verano, para que la voz

no perdure calcinada en este paisaje negro.

 

Recojo los restos, los adjetivos, los adverbios,

artículos, preposiciones, para que las palabras que indican

las cosas queden en el lugar que ya tenían.

 

Poco importa que las frases pierdan el sentido. Lo

que queda son los nombres de las cosas, para que las cosas salgan

del interior de él y las podamos ver en su sitio.

 

 

 

 

 

 

 

O AMOR

 

Deus – talvez esteja aqui, neste

pedaço de mim e de ti, ou naquilo que,

de ti, em mim ficou. Está nos teus

lábios, na tua voz, nos teus olhos,

e talvez ande por entre os teus cabelos,

ou nesses fios abstractos que desfolho,

com os dedos da memória, quando os

evoco.

 

Existe: é o que sei quando

me lembro de ti. Uma relação pode durar

o que se quiser; será, no entanto, essa

impressão divina que faz a sua permanência? Ou

impõe-se devagar, como as coisas a que o

tempo nos habitua, sem se dar por isso, com

a pressão subtil da vida?

 

Um deus não precisa do tempo para

existir: nós, sim. E o tempo corre por entre

estas ausências, mete-se no próprio

instante em que estamos juntos, foge

por entre as palavras que trocamos, eu

e tu, para que um e outro as levemos

connosco, e com elas o que somos,

a ânsia efémera dos corpos, o

mais fundo desejo das almas.

 

Aqui, um deus não vive sozinho,

quando o amor nos junta. Desce dos confins

da eternidade, abandona o mais remoto dos

infinitos, e senta-se aos pés da cama, como

um cão, ouvindo a música da noite. Um

deus só existe enquanto o dia não chega; por

isso adiamos a madrugada, para que não

nos abandone, como se um deus

não pudesse existir para lá do amor, ou

o amor não se pudesse fazer sem um deus.

 

 

 

 

 

EL AMOR

 

Dios –tal vez esté aquí, en este

pedazo de mí o de ti, o en aquello que,

de ti, en mí quedó.  Está en tus

labios, en tu voz, en tus ojos,

y tal vez vaya entre tus cabellos,

o en esoshilos abstractos que deshojo,

como los dedos de la memoria, al

evocarlos.

 

Existe: es lo que sé cuando me

me acuerdo de ti. Una relación puede durar

lo que se quiera; ¿será, sin embargo, esa

impresión divina la que da su permanencia? ¿O

se impone lentamente, como las cosas a que el

tiempo nos habitúa, sin reparar en eso, con

la presión sutil de la vida?

 

Un dios no requiere del tiempo para

existir; nosotros sí. Y el tiempo corre entre

estas ausencias, se mete en el propio

instante en que estamos juntos, huye

entre las palabras que intercambiamos, yo

y tú, para que uno y otro las llevemos

con nosotros, y con ellas lo que somos,

el ansia efímera de los cuerpos, el

deseo más profundo de las almas.

 

Aquí un dios no vive solo

cuando el amor nos une. Baja de los confines

de la eternidad, abandona el más remoto de los

infinitos, y se sienta a los pies de la cama, como

un perro, oyendo la música de la noche. Un

dios sólo existe mientras el día no llega; por

eso aplazamos la madrugada, para que no

nos abandone, como si un dios no

pudiera existir más allá del amor, o

el amor no se pudiera hacer sin un dios.

 

 

 

 

 

 

 

TEORIA E PRÁTICA

 

 

Era no amor que pensava; mas

poderá pensar-se o amor? Não serão incompatíveis

sentimento e razão? Sim: estabelecia uma distância

entre ele próprio, o ser real, com o corpo

a impor-lhe as suas leis, e essa entidade abstracta

onde se formavam as ideias, e onde podia

desenhar um quadro mental de categorias em que entrava,

de modo impessoal, o próprio amor. O problema

é que esse espírito, ou alma, que formulava esses belos

conceitos, não sobrevivia sem o corpo; e ao falar

de amor, era um outro corpo que se materializava

por dentro da ideia, com o rosto, os lábios, os cabelos,

a pele, a voz, e as suas ternas inflexões,

obrigando-o a pôr de lado todos os princípios

da ciência. De hecho, como delinear uma teoria quando

as tuas mãos entram por dentro das frases, desmancham

o equilíbrio dos parágrafos e das páginas, contaminam

a própria secura dos substantivos com a humanidade

de um murmúrio? Então, não penses no amor;

deixa de escrever: e puxa para ti esse corpo que

te inquieta, como o mais concreto dos ideais, ou

o mais sublime dos paradoxos.

 

 

 

 

 

 

 

TEORÍA Y PRÁCTICA

 

Era en el amor en que pensaba ¿pero

qué se podrá pensar del amor? ¿No serán incompatibles

sentimiento y razón? Sí: establecía una distancia

entre él mismo, el ser real, con el cuerpo

para imponerle sus leyes, y esa entidad abstracta

donde se formaban las ideas, y donde podía

dibujar un cuadro mental de categorías en que entraba,

de modo impersonal, el propio amor. El problema

es que ese espíritu, o alma, que formulaba esos bellos

conceptos, no sobrevivía sin el cuerpo, y al hablar

de amor, era otro cuerpo que se materializaba

dentro de la idea, con el rostro, los labios, los cabellos,

la piel, la voz, y sus tiernas inflexiones,

obligándolo a poner de lado todos los principios

de la ciencia. De hecho ¿cómo delinear una teoría cuando

tus manos entran dentro de las frases, deshacen

el equilibrio de los párrafos y de las páginas, contaminan

la propia sequedad de los sustantivos con la humanidad

de un murmullo? Entonces, no pienses en el amor;

deja de escribir, y atrae hacia ti ese cuerpo que

te inquieta, como el más concreto de los ideales, o

la más sublime de las paradojas.

 

 

 

 

 

 

 

 

O INVENTOR DE HISTÓRIAS

 

Nesta cidade havia uma floresta; nesta casa, uma

clareira; e nessa clareira um homem morreu, a olhar

o fogo. Nessa noite, não se via o céu

por entre os ramos; mas todos os ruídos da noite interrompiam

o pensamento do homem, e o crepitar da lenha

iluminava-lhe o rosto, enquanto morria.

 

Nesse tempo, em que não havia a cidade nem a casa, e

apenas a floresta se estendia para além de rios e montes,

de vales e montanhas, de rebanhos e manadas, um homem

olhava o fogo, e morria. Na sua cabeça, porém, tinham-se

formado histórias que atravessaram os tempos

até chegarem ao quarto que já foi uma clareira,

numa cidade sem árvores nem pássaros.

 

O que o homem lembra, em frente do fogo, tem o brilho

da chama que se vai tornar cinza, no fim da noite; e o mesmo

vento que varre as folhas do outono e as cinzas

da fogueira já não levará as palavras do homem que a madrugada

não acordou. Mas as histórias que inventou soltaram-se

dele; e correram o mundo e os tempos, enquanto

outros homens abateram florestas, construíram cidades,

inventaram outras histórias.

 

O homem não soube o que aconteceu a esta história. Mas

inventou-a para que, um dia, um outro a pudesse contar.

 

 

 

 

 

 

EL INVENTOR DE HISTORIAS

 

En esta ciudad existía un bosque; en esta casa un

claro del bosque; y en ese claro un hombre murió, mirando

el fuego. En esa noche no se veía el cielo

entre las ramas, pero todos los ruidos de la noche interrumpían

el pensamiento del hombre, y el crepitar de la leña

le iluminaba el rostro, mientras moría.

 

En ese tiempo, en que no había ni ciudad ni casa, y

apenas el bosque se extendía más allá de ríos y montes,

de valles y montañas, de rebaños y manadas, un hombre

miraba el fuego y moría. En su cabeza, sin embargo, se habían

formado historias que atravesaron los tiempos

hasta que llegaron al cuarto que fue un claro del bosque,

en una ciudad sin árboles ni pájaros.

 

Lo que el hombre recuerda, frente al fuego, tiene el brillo

de la llama que se va a volver ceniza al final de la noche, y el mismo

viento, que barre las hojas del otoño y las cenizas

de la hoguera, ya no llevará las palabras del hombre a quien la madrugada

no despertó. Pero las historias que inventó se desprendieron

de él; y corrieron por el mundo y los tiempos, mientras

otros hombres arrasaron bosques, construyeron ciudades,

inventaron nuevas historias.

 

El hombre no supo lo que sucedió con esta historia. Pero

la inventó para que, un día, alguien la pudiera contar.

 

 

 

 

 

 

 

 

LUTA DE CLASSES

 

Nem todos os que construíram as catedrais viram

o mesmo. Uns, ergueram torres e pináculos, à luz do sol,

e chegaram ao céu; outros, metidos nas criptas,

pintaram infernos à luz de velas, deixando no chão

o lugar para os mais anónimos dos mortos. Os

que chegaram ao cimo, receberam o olhar divino e

viram o júbilo das madrugadas primaveris; os

que ficaram no fundo, arrancando à humidade das paredes

o gesto alucinado dos demónios, trocaram

obscenidades e doenças. No entanto, a catedral

é única; e quem a visita, apreciando a totalidade que, dizem,

nasceu de uma visão do absoluto, não pensa

em pormenores. Que importa os que trabalharam

na sombra, perdendo a luz dos olhos com o minucioso

desenho arrancando à treva, se o que hoje se vê

é esse contorno em que a pedra trabalha o céu? Assim,

conclui-se, é da desigualdade que nasce

a harmonia; e é a desordem humana que  faz brotar,

do nada, tudo o que admiramos.

 

 

 

 

 

 

LUCHA DE CLASES

 

No todos los que construyeron las catedrales vieron lo mismo.

Unos irguieron torres y pináculos a la luz del sol

y llegaron al cielo; otros, hundidos en las criptas,

pintaron infiernos a la luz de las velas, dejando en el suelo

el lugar para los más anónimos de los muertos. Los

que llegaron a la cima, recibieron la mirada divina y

vieron el júbilo de las madrugadas primaverales; los

que quedaron en el fondo, arrancando a la humedad de las paredes

el gesto alucinado de los demonios, intercambiaron

obscenidades y enfermedades. No obstante, la catedral

es única, y quien la visita, apreciando la totalidad que, dicen,

nació de una visión del absoluto, no piensa

en pormenores. ¿Qué importancia tienen para nosotros

los que trabajaron en la sombra, perdiendo la luz de los ojos con el

minucioso dibujo, arrancando a lo oscuro, si lo que hoy se ve

es ese contorno en que la piedra trabaja el cielo? Así,

se concluye, que es de la desigualdad que nace

la armonía, y es el desorden humano que hace brotar,

de la nada, todo lo que admiramos.

 

 

 

 

 

 

CONVERSA COM A MINHA MUSA

 

Dizes-me que tenho uma visão negra do mundo, quando

o frio das imagens se sobrepõe à alegria que devia nascer

da manhã. Conversemos sobre isto: a poesia faz-se sobre

o ruído do mar, mesmo quando o mar está longe, e

as ondas rebentam dentro das paredes que me

rodeiam, enquanto uma espuma sobe pelas madeiras

das portas, enchendo a casa de um cheiro a algas. Depois,

os versos suam um salitre de significados: limpo-os

da solidão, dos sacrifícios da memória, da surpresa

ébria dos sons. Quero que estes versos fiquem mudos

quando te virem chegar, e tu fores toda a poesia do seu

canto. Tu, a minha musa verdadeira, a quem estendo

o espelho da estrofe para que o teu rosto surja de

dentro dela, com os lábios que beijei, aprendendo

o gosto do amor. Assim, esta imagem do mundo pode

mudar a meio de um poema. Basta que tu entres por

dentro dele, batendo com as suas portas, e fazendo-me

sentir a tua presença, mesmo que estejas longe. É

um vento que sopra nas minhas veias, até à cabeça,

onde limpa as nuvens mais cinzentas, abrindo esse azul

de que as aves gostam. Tu, com quem converso sobre

o sentido da vida, ouvindo o teu riso sobre esta maré

que baixa com as vozes que o desejo submerge, enquanto

antigas gaivotas pousam numa areia de murmúrios.

 

 

 

 

 

 

CONVERSACIÓN CON MI MUSA

 

Me dices que tengo una visión negra del mundo, cuando

el frío de las imágenes se sobrepone a la alegría que debía nacer

con la mañana. Conversemos sobre esto: la poesía se hace sobre

el ruido del mar, aun cuando el mar se halle lejos, y

las olas revienten dentro de las paredes que me

rodean, mientras una espuma sube sobre las maderas

de las puertas, colmando la casa de un olor a algas. Después,

los versos sudan un salitre de significados: los limpio

de la soledad, de los sacrificios de la memoria, de la sorpresa

ebria de los sonidos. Quiero que estos versos queden mudos

cuando te miren llegar, y tú seas toda la poesía de su

canto. Tú, mi musa verdadera, a quien extiendo

el espejo de la estrofa para que tu rostro surja desde

dentro de ella, con los labios que besé, aprendiendo

el sabor del amor. Así, esta imagen del mundo puede

mudar a la mitad de un poema. Basta que tú te adentres

en él, golpeando a sus puertas, y haciéndome

sentir tu presencia, aun si estás lejos. Es

un viento que sopla en mis venas, hasta la cabeza,

donde limpia las nubes más cenicientas, abriendo ese azul

que las aves gozan. Tú, con quien converso  sobre

el sentido de la vida, oyendo tu risa sobre esta marea

que baja con las voces que el deseo sumerge, mientras

gaviotas antiguas posan en una arena de murmullos.

 

 

 

 

 

 

 

 

CANTO DE ORFEU

 

A poesia, que incendeia a água, não nasce

da inspiração. Vou buscá-la ao inferno, atravessando

essa porta para lá da qual os astros

se apagam. Sei, no entanto, que o caminho do regresso

me está aberto: um rasto de versos indica-me a

saída, e trago-te comigo, ó viva Eurídice, de cabelos

desalinhados pelo vento da amnésia, e roupas

presas ao corpo pelo suor dos vendavais. «Espera por mim»,

dizes, num cansaço de sombra. E

ficas para trás, esperando não sei o quê,

para que eu te perca te vista. Ó

amada: presa nesses túneis de uma vaga

antiguidade! A que demónios perguntas

onde estou? Que pão dás a comer ao guarda Cerbero,

para que feche os olhos à tua passagem? Mas

essa porta não se abre duas vezes. Deste-me os versos

que me guiaram até à vista das estrelas; e ficaste –

para que outro volte a seguir esse caminho, e

também ele regresse de mãos vazias,

sem o amor que secou no teu sexo.

 

 

 

 

CANTO DE ORFEO

 

La poesía, que incendia el agua, no nace

de la inspiración. Voy a buscarla al infierno, atravesando

esa puerta, más allá de la cual, los astros

se apagan. Sin embargo sé que el camino del regreso

me está abierto: un rastro de versos me indican la

salida, y te traigo conmigo, oh viva Eurídice, de cabellos

desaliñados por el viento de la amnesia, y ropa

presa en el cuerpo por el sudor de los vendavales. “Espérame”,

dices, con un cansancio de sombra. Y

te quedas atrás, esperando no sé qué,

para que te pierda de vista. Oh

amada: ¡presa en los túneles de una vaga

antigüedad! ¿Por qué demonios preguntas

dónde estoy? ¿Qué pan das de comer al guardia Cerbero,

para que cierre los ojos a tu paso? Pero

esa puerta no se abre dos veces. Me diste los versos

que me guiaron hasta vislumbrar de las estrellas, y te quedaste –

para que otro vuelva a seguir ese camino, y

también regrese con manos vacías,

sin el amor que se secó en tu sexo.

 

 

 

 

 

 

 

RESPOSTA COM ARTE POÉTICA

 

Pergunto como se escreve o poema? E a resposta possível

é escrever o poema. Ele demonstra a sua possibilidade, como se não houvesse nada

antes ou depois do escrevê-lo – nem técnica, nem domínio

de palavras e gramática, ou da sua ausência. Assim, o poema pode

ser construído de um modo que evita todas as ambiguidades da prosa

ou da filosofia, que transporta dentro de si a chave que é preciso abrir

para que um sentido surja – mesmo que o sentido seja aquilo que menos interessa

ao poema. No entanto, sem ele, de que serve escrevê-lo? O que importa

é dizer o que de outro modo não pode ser dito. Escrever o poema, então, é

dizer o que é essencial, distinguindo entre o nada e o tudo que está

em cada poema. Sim: há um ponto de partida. O teu rosto, as tuas

mãos, ou um ramo de árvore que se partiu com o temporal, ou

ainda esse pássaro que nasceu de dentro de um telhado em ruína, como se a casa

abandonada fosse o ventre do mundo celeste. Nada disto, em si, tem um valor

para além daquele que eu lhe dei, ao olhar o mundo, e escolher uma ou outra

de entre as suas imagens. Agora, no poema, elas são outra coisa. Fugiram

da sua própria realidade, como o pássaro que saltou do telhado; e

mesmo que tu existas, com o teu rosto e as tuas mãos, ou a casa continue

ainda mais abandonada, com o inverno que chega, é o poema que dá uma

outra forma ao amor, ao campo, às aves ou ao que tu me disseste,

como se não fosse preciso mais do que isso para que a vida

possa continuar. Assim, escrevo. E não volto a perguntar

como se escreve o poema?

 

 

 

 

 

 

RESPUESTA CON ARTE POÉTICA

 

Pregunto: ¿cómo se escribe el poema? Y la respuesta posible

es escribir el poema. Demuestra su posibilidad, como si no hubiera nada antes

o después de escribirlo –ni técnica, ni dominio

de palabras y gramática, ni de su ausencia. Así, el poema puede

ser construido de un modo que evita todas las ambigüedades de la prosa

o de la filosofía, que transporta dentro de sí la llave que es preciso abrir

para que un sentido surja –aun si el sentido sea aquello que menos interesa

al poema. Sin embargo, sin él ¿de qué sirve escribir el poema? Lo que importa

es decir lo que de otro modo no puede ser dicho. Escribir el poema, entonces, es decir

lo esencial, distinguiendo entre la nada y el todo que está

en cada poema. Sí: hay un punto de partida. Tu rostro, tus

manos o una rama de árbol que se partió con el temporal, o

aun ese pájaro que nació en un tejado en ruinas, como si la casa

abandonada fuera el vientre del mundo celeste. Nada de esto, en sí, tiene un valor

más allá del que yo le dé, al mirar el mundo, y escoger una u otra

entre sus imágenes. Ahora, en el poema, ellas son otra cosa. Huyeron

de su propia realidad, como el pájaro que saltó del tejado; y

aunque que tú existas, con tu rostro y tus manos, o que la casa continúe

aún abandonada, como el invierno que llega, es el poema el que da

otra forma al amor, al campo, a las aves o a lo que tú me dijiste,

como si no fuera necesario más que eso para que la vida

pueda continuar. Así, escribo. Y no vuelvo a preguntar

¿cómo se escribe el poema?

 

 

 

 

 

 

 

CIÊNCIA

 

O agrónomo conhece o estado dos campos,

o mês em que a geada ameaça as videiras,

a inteligência nos olhos do rebanho de cabras

que pastam a erva abundante da primavera.

 

Por vezes, torna-se arqueólogo: debaixo

desta terra sabemos o caminho das águas;

e a cinco centímetros da superfície, onde

há areia e poeira de ossos, houve um jardim.

 

Os muros de calcário e de basalto não lhe

são estranhos; nem a direcção dos ventos,

que sopram do norte, e trazem o gelo das

montanhas para dentro dos currais.

 

O que ele não sabe é para onde correm

estas nuvens; nem o peso de água que elas

levam, nem o que eu lhes peço que digam

a quem as olha, sem saber de onde vêm.

 

 

 

 

 

 

 

CIENCIA

 

El agrónomo conoce el estado de los campos,

el mes cuando la helada amenaza las vides,

la inteligencia en los ojos del rebaño de cabras

que pastan la hierba abundante deprimavera.

 

A veces se vuelve arqueólogo: debajo

de esta tierra sabemos el camino de las aguas,

y a cinco centímetros de la superficie, donde

hay arena y polvo de huesos, hubo un jardín.

 

Los muros de caliza y de basalto no le

son extraños, ni la dirección de los vientos,

que soplan del norte, y traen el hielo de las

montañas hacia dentro de los corrales.

 

Lo que él no sabe es para dónde corren

estas nubes, ni el peso de agua que ellas

llevan, ni lo que les pido que digan

a quien las mira, sin saber de dónde vienen.

 

 

 

 

 

 

 

 

IMAGEM AO ESPELHO

 

Gosto das mulheres de província,

que vão ao café, e olham para o fumo

do cigarro, quando estão sozinhas.

 

Vejo os seus rostos no espelho

da memória, e limpo

o vidro para os ver melhor.

 

Descubro os olhos que o tempo

protege, e as mãos que agarram

o tampo da mesa como se fugisse.

 

Pergunto-lhes: quem amais? Que

segredos guardais na carteira? Por

que não limpais a lágrima que escondeis?

 

As mulheres de província são belas,

à tarde, quando entram no café e estão

sozinhas, na minha memória delas.

 

 

 

 

 

 

 

 

IMAGEN EN EL ESPEJO

 

Me gustan las mujeres de provincia,

que van al café, y miran hacia el humo

del cigarro, cuando se hallan solas.

 

Veo sus rostros en el espejo

de la memoria, y limpio

el vidrio para verlos mejor.

 

Descubro los ojos que el tiempo

protege, y las manos que agarran

la mesa como si huyera.

 

Les pregunto: ¿a quien amáis? ¿Qué

secretos guardáis en la cartera? ¿Por

qué no limpiáis la lágrima escondida?

 

Las mujeres de provincia son bellas,

a la tarde, cuando entran en el café y están

solas, en mi memoria de ellas.

 

 

 

 

 

 

VAZIO

 

Pedra a pedra, esvazio este lugar onde outrora

nos encontrámos. Deixo-o limpo de versos e de

sílabas, seco de lágrimas e de suor, silencioso

como o espaço de onde as aves se ausentaram.

 

Depois, pedra a pedra, construo a memória

em que te vou guardar. Ergo-a desse campo

onde te abracei, sobre folhas e flores, ouvindo

a música do vento por entre ramos e sombras.

 

«Mas para que a queres?», perguntas-me. «Sem

mim, sem o calor da minha voz, sem o corpo

que amaste?» E pedra a pedra volto a esvaziar

tudo, como se estivesses aqui, sem nada encontrar.

 

 

 

 

 

 

 

VACÍO

 

Piedra por piedra, vacío este lugar donde otrora

nos encontramos. Lo dejo limpio de versos y de

sílabas, seco de lágrimas y de sudor, silencioso

como el espacio de donde las aves se ausentaron.

 

Después, piedra por piedra, construyo la memoria

en que te voy a guardar. La levanto de ese campo

donde te abracé, sobre hojas y flores, oyendo

la música del viento entre ramas y sombras.

 

“Mas ¿para qué la quieres?”, me preguntas. “Sin

mí, sin el calor de mi voz, sin el cuerpo

que amaste?” Y piedra porpiedra vuelvo a vaciar

todo, como si estuvieras aquí, sin hallar nada.

 

 

 

 

 

 

 

POESIA

 

Esta árvore entrou no meu corpo, com as suas raízes

de fogo; devorou-me a alma, com os ramos acesos da

inspiração; corroeu cada recanto do meu ser, com as

folhas brancas da sua ânsia; e em cada primavera deu

a flor mais inesperada, com a música das suas pétalas,

e o brilho da imagem que se abre quando o olhar

procura o centro da corola. É uma árvore que não seca,

nem precisa de água; que não perde folhas e flores,

apesar de invernos e outonos; que partilha o dia

com a noite, quando procuro a sua sombra, e é a sua luz

que me enche. Podia ser uma árvore de ar livre; mas

também cresce nos quartos mais obscuros, nas salas

onde se acumula o fumo e a respiração de quem vive,

nas caves onde a luz não entra. Cortam-lhe em vão as

raízes; em vão tentam apagar o seu fogo: nasce do

ser o húmus que a alimenta; corre nas veias a seiva

que a percorre. Mas não cresce sozinha; e é em ti que

encontra a sua terra mais fértil, no frio do inverno,

o ar que a envolve, quando a tua ausência a asfixia,

a água que as suas flores bebem, na aridez do estio. Tu,

com os teus dedos de hera, os teus lábios de pólen,

e o doce musgo de palavras com que envolves o seu

tronco. Árvore partilhada, abrigando as aves do amor,

deixo que os seus ramos se estendam sobre nós,

com o seu canto de nuvem, e o seu eco de floresta.

 

 

 

 

 

 

 

POESÍA

 

Este árbol entró en mi cuerpo, como sus raíces

de fuego; devoró mi alma, con las ramas encendidas de la

inspiración; corroyó cada rincón de mi ser, como las

hojas blancas de su ansia, y en cada primavera dio

la flor más inesperada, como la música de sus pétalos,

y el brillo de la imagen que se abre cuando la vista

busca el centro de la corola. Es árbol que no se seca,

ni requiere de agua; que no pierde hojas ni flores,

a pesar de inviernos y otoños; que comparte el día

con la noche, cuando busco su sombra, y es su luz

que me colma. Podía ser un árbol de aire libre, pero

también crece en los cuartos más oscuros, en las salas

donde el humo se acumula y la respiración de quien vive,

en las cavas donde la luz no entra. Le cortan en vano las

raíces; en vano ensayan a apagar su fuego: nace del

ser el humus que la alimenta; corre en las venas la savia

que lo recorre. Pero no crece solo; y es en ti donde

encuentra su tierra más fértil, en el frío del invierno,

y el aire que lo envuelve, cuando tu ausencia lo asfixia,

el agua que sus flores beben, en la aridez del estío. Tú,

con tus dedos de hiedra, tus labios de polen,

y el dulce musgo de las palabras con que envuelves su

tronco. Árbol compartido, abrigando las aves del amor,

dejo que sus ramas se extiendan sobre nosotros,

como su canto de nube, y su eco de floresta.

 

 

 

 

 

 

 

DICIONÁRIO

 

As palavras mais belas são as que nascem

do teu corpo: cabelos, lábios, ombros, seios,

até o ventre, e o que entre as coxas se esconde.

Escrevo-as devagar, como se lhes tocasse; e

cada uma delas é como um espelho, de onde

se libertam as tuas mãos, os dedos, um joelho,

olhos que beijo num murmúrio de segredos.

E pedes-me significados, símbolos, primeiros

e segundos sentidos. Não te sei dizer senão que

corpo é o teu corpo, centro um secreto umbigo,

pele a mais branca neve no horizonte desta

subida leve. Se me estendes os braços, entro

num abrigo de floresta; se me abres os ramos,

é na mais doce gruta que entramos.

 

Precipitam-se sinónimos, adjectivos sem

objectivo, pronomes enfáticos e possessivos,

sílabas perdidas na falésia do desejo. Mas

fecho o livro. Estou farto de palavras, é a ti

que eu quero. E faço-as voltar até de onde

nasceram: cabelos, lábios, ombros, seios, até

o ventre, e o que entre as coxas se esconde.

 

 

 

 

 

 

 

 

DICCIONARIO

 

Las palabras más bellas son las que nacen

de tu cuerpo: cabellos, labios, hombros, senos,

aun el vientre, y lo que entre los muslos se esconde.

¿Las escribodespacio, como si las tocase; y

cada una de ellas es como un espejo, de donde

se liberan tus manos, los dedos, una rodilla,

ojos que beso en un murmullo de secretos.

 

Y me pides significados, símbolos, primero

y segundo sentidos. No te sé decir sino que

cuerpo es tu cuerpo, en tu centro un secreto ombligo,

piel, la más blanca nieve en el horizonte de esta

subida leve. Si me extiendes los brazos, entro

en un abrigo de floresta; si me abres las ramas,

es la más dulce gruta en la que entramos.

 

Se precipitan sinónimos, adjetivos sin

objetivo, pronombres enfáticos y posesivos,

sílabas perdidas en la colina del deseo. Pero

cierro el libro. Estoy harto de palabras, es a ti

a la que quiero. Y las hago volver hasta donde

nacieron: cabellos, labios, hombros, senos, aun

el vientre, y lo que entre los muslos se esconde.

 

 

 

 

 

 

 

COMPOSIÇÃO COM GARRAFA E FLORES

 

A transparência da garrafa passa para o fundo da tela,

onde a luz transporta uma impressão de água. Posso

despejá-la pelo gargalo do poema, e ver como as

palavras ficam limpas da sua opacidade, até se

poder, através delas, olhar as coisas com a sua mais

pura nitidez. Mas é apenas uma garrafa, pousada

no tampo, reduzida à expressão mais simples

das suas vogais e consoantes, de onde tiro uma

elocução líquida até o fundo ficar seco. Vazia,

é uma peça decorativa que posso encher de

argumentos, como plantas, para que os ramos

da frase se abram sobre a lógica da mesa. O

vidro sobrevive; e só a lógica, que me obrigou

a substituir a água por flores de retórica,

murcha de encontro à parede, onde a

humidade rasgou a pintura, deixando à vista

o gesso dos advérbios e a madeira podre

das conjunções, num realismo de natureza morta.

 

 

 

 

 

 

COMPOSICION CON BOTELLA Y FLORES

 

La transparencia de la botella pasa al fondo de la tela,

donde la luz transporta una impresión de agua. Puedo

vaciarla por el gollete del poema, y ver cómo las

palabras quedan limpias de su opacidad, hasta

poder, a través de ellas, mirar las cosas en su nitidez

más pura. Pero es apenas una botella, puesta

en la mesa, reducida a la expresión más simple

de sus vocales y consonantes, de donde saco una

elocución líquida hasta que el fondo quede seco. Vacía,

es una pieza decorativa que puedo colmar de

argumentos, como plantas, para que las ramas

de la frase se abran sobre la lógica de la mesa. El

vidrio sobrevive, y sólo la lógica, que me obligó

a sustituir el agua por flores de retórica,

marchita, contra la pared, donde la

humedad rasgó la pintura, dejando a la vista

el yeso de los adverbios y la madera podrida

de las conjunciones, en un realismo de naturaleza muerta.

 

 

 

 

 

 

 

EPISÓDIO MUSICAL

 

Ao ouvir as suites inglesas de bach, a humidade

dos campos envolve-me, com uma névoa de rios

e uma auréola de margens. Esta música puxa-me,

pelas suas mãos de som, para o ritmo que o poema

devia encontrar no limite dos teus cabelos; e tu,

contra o portão, nesse contra-luz que te incendeia

o vermelho da túnica sobre o fundo branco dos

muros, roubas ao cravo o seu sorriso profano,

plantando nas suas teclas um desejo que o jardim

do teu corpo fará florescer. Assim, vens até mim

pelos degraus deste ritmo que bach inventou,

para descrever não se sabe que dança, movimento

de saias com o vento, baloiço vago que se evola

de uma entrega evanescente, num canto de arbusto,

até ao silêncio branco com que o amor se fecha.

 

 

 

 

 

 

EPISODIO MUSICAL

 

Al oír las suites inglesas de bach, la humedad

de los campos me envuelve, con una niebla de

ríos y una aureola de márgenes. Esta música me impulsa,

con sus manos de sonido, hacia el ritmo que el poema

debía encontrar en el límite de tus cabellos; y tú,

contra el portón, en ese contraluz que te incendia

el bermejo de la túnica sobre el fondo blanco de los

muros, robas al clavicordio su profana sonrisa,

plantando en sus teclas un deseo que hará

florecer el jardín de tu cuerpo. Así, llegas hasta mí

por las escalas de este ritmo que bach inventó,

para describir no se sabe qué danza, movimiento

de faldas con el viento, balanceo vago que se eleva

de una entrega evanescente, en un canto de arbusto

hasta el silencio blanco con el que amor se cierra.

 

 

 

 

 

 

 

 

VOLTA AO MUNDO

 

Na estação vazia, de madrugada, espero

o autocarro que já lá está. Podia voltar atrás,

em busca do caminho que não me sei

ensinar; mas sento-me no banco da frente,

como se o condutor me guiasse, e sigo

o meu caminho pelo mapa que fecho

na mão. Sigo-o com os dedos, virando

para a direita quando os sinais estão

fechados, e voltando à esquerda quando

entro num beco. Na estação vazia, porém,

os cães ainda dormem; e debaixo de um

banco, abrigado da chuva, o mendigo

acompanha a minha viagem, embora

não me veja. Assim, no autocarro parado,

dou a volta ao mundo sem sair do lugar.

 

 

 

 

 

 

 

VUELTA AL MUNDO

 

En la estación vacía, de madrugada, espero

el autobús que ya está allí. Podría desistir,

en busca del camino que no sé

encontrar; pero me siento en el banco del copiloto,

como si el conductor me guiase, y sigo

mi camino por el mapa que sostengo

en la mano. Lo sigo con los dedos, virando

a la derecha si los semáforos están

en alto, y girando a izquierda si entro

en un callejón. En la estación vacía, sin embargo,

los perros aún duermen, y debajo de un

banco, abrigado de la lluvia, el mendigo

me acompaña en mi viaje, aunque

no me vea. Así, en el autobús detenido,

doy la vuelta al mundo sin salir del lugar.

 

 

 

 

 

 

 

CENA DE INVERNO

 

 

Parada no meio do campo, na tarde de chuva,

a mulher não avança para o meio da estrada, nem recua

para perto da casa. Apanha chuva, com a cabeça virada

para o chão, como se esperasse que a terra a engolisse,

ou que o céu se esqueça dela, e as nuvens se afastem.

 

Numa tarde de chuva, no meio do campo, há mulheres

que não sabem para onde ir; e entre a casa e a estrada

ficam paradas, ouvindo o ruído da chuva, e pensando

na vida que as levou para o meio do campo, indecisas

entre a terra e o céu, enquanto a chuva não pára.

 

Ao ver a mulher parada no meio do campo, pensei

em chamá-la, para que saísse de dentro da lama; mas

continuei o meu caminho, como se ela não existisse,

sabendo que se parasse ao lado dela também eu olharia

para o chão, até que a terra me engolisse.

 

 

 

 

 

 

ESCENA DE INVIERNO

 

Parada en medio del campo, en la tarde de lluvia,

la mujer no avanza hacia en medio de la carretera, ni retrocede

a la cercanía de la casa. Le cae la lluvia en la cabeza vuelta

hacia el suelo, como si esperara que la tierra la engullera,

o que el cielo la olvide, y las nubes se aparten.

 

En tarde de lluvia, a mitad del campo, hay mujeres

que no saben adonde ir, y entre la casa y la carretera se

quedan paradas, oyendo el rumorde la lluvia, pensando

en la vida que las llevó en medio del campo, indecisas

entre la tierra y el cielo, mientras la lluvia no cesa.

 

Al ver a la mujer de pie en medio del campo, pensé

en llamarla, a que saliera de dentro del lodo, pero

continué mi camino, como si no existiera,

sabiendo que si me paraba a su lado, también yo miraría

hacia el suelo, hasta que la tierra me engullera.

 

 

 

 

 

 

 

 

QUEDA

 

Um anjo fugiu do paraíso.

Na terra, viu que tinha uma sombra

e apaixonou-se por ela. Beijava o chão,

e a sombra desaparecia. Correu

países, continentes, mares e montanhas.

A sombra fugia-lhe, sempre

que lhe tocava.

»Por que não voltas para o céu?»

disse-lhe o Deus.

«No céu não há sombras»,

respondeu o anjo.

E ao abrir as asas,

como se fosse voar,

a sombra puxava-o para o chão,

onde ele a perdia,

para sempre,

no meio de todas as sombras

que há na terra.

 

 

 

 

 

 

 

LA CAÍDA

 

Un ángel huyó del paraíso.

En la tierra, vio que tenía una sombra

y se apasionó por ella. Besaba el suelo,

y la sombra desaparecía. Recorrió

países, continentes, mares y montañas.

La sombra le huía, siempre

que lo tocaba.

“¿Porqué no vuelves al cielo?”,

le preguntó Dios.

“En el cielo no hay sombras”,

respondió el ángel.

Y al abrir las alas,

como si fuera a volar,

la sombra lo jalaba al suelo,

donde él la perdía,

para siempre,

en medio de todas las sombras

que hay en la tierra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

También puedes leer